Das nossas conversas
restaram ecos. Dos nossos risos, memórias. Das nossas alegrias, a
lembrança. Do nosso amor, um filho. Da nossa realidade, um desgosto.
domingo, agosto 24
sábado, agosto 16
Chuva na janela
Fumando meu cigarro
filtro branco
Revoltada
seu sabor amargo
chupo uma bala
de cereja
É paliativo
continua o amargo
igual ao coração
o meu
Sozinha nessa
paragem
fumando o que odeio
bebendo tragos
de saudade
suas
sexta-feira, agosto 15
Foi sexo
Mordida
no ombro
uma marca
uma tatuagem
de saliva
o chupão
no pescoço
o gozo do beijo
o riso incontido
os braços agarrados
os suspiros
uma puta
e um puto
diversão sexual
segunda-feira, agosto 11
Discussão existencial
— Tu devia parar
com a procrastinação.
— Vou.
— Hoje?
— Quem sabe?
— Caraca, tu é de
quebrar as pernas.
— Como poderia não
ser? Olho pra dentro de mim mesmo e o que? Vazio. Qual o sentido?
— Você já
deveria ter descoberto… pela quantidade de tempo que está aí,
sentado nesse sofá.
— A televisão me
ajuda.
— Há. Te ajuda em
que? Ajuda em procrastinar.
— Que é isso
mulher. É nela que eu encontro um objeto para preencher o meu vazio.
— Sei. Não quer
ajuda pra preencher esse vazio?
— Só ficar quieto
aqui, vendo o Programa Vazio da Tarde, obrigado.
— Tu é muito
descarado. Tá com vazio, tá? Vou te comprar um consolo, bem grande
e gordo… Ué, vai onde?
— Preencher meu
vazio cortando a grama do quintal.
— He… Mais útil
assim. Cuidado com o buraco, querido, pra não cair mato lá.
— Te ferrar,
mulher!
sábado, agosto 9
Eu também vou
Uma droga de nome coração
um aperto e uma batida forte
um agarro e o bichinho voa
voa de tristeza às vezes,
não
às vezes é só de tesão!
um aperto e uma batida forte
um agarro e o bichinho voa
voa de tristeza às vezes,
não
às vezes é só de tesão!
terça-feira, agosto 5
Conto: Abate
É
que tinha uma réstia de luz entrando pela janela. Meu coração
pulsava fraco com essa claridade, esperando a escuridão para se
libertar. Na fraca luz mirei meus olhos pelo espelho, negritude
rodeada de uma gosma branca, nos lábios descascados, aquele sorriso
de quem entende da malícia. Os dentes quase invisíveis na
escuridão, as axilas molhadas, o suor acima no buço, o cobertor
esquentando as costas, e o frio nos dedos dos pés, tudo denunciando
meu medo da luz. Na cabeça os piolhos em polvorosa, brigando pelo
meu sangue, ou caspa devorando-me em coceira, mas não coço, imagino
seus dedos mornos sobre mim, brincando comigo no meio da noite,
mordendo pra longe esse medo, de olhos fechados.
É
que essa luz denuncia, lábios inferiores mordidos, língua sobre
lábios secos, prelúdio de sua chegada, saliva de sua presença,
angústia de sua alma. Fico já em guarda, sem calcinha, sem calça,
sem meia, sem pudor, pernas abertas, frêmito no corpo todo,
esperando a escuridão tocar minhas partes, preencher meus vazios
expostos pela luz, meu ventre inchado, a criança mexendo, sua
chegada silenciosa.
Eis
que da luz não há mais réstia, o cativeiro colorido do sangue
delas desaparece ao meu olhar. A noite chegou contigo, e veio
arrebatadora. Posso sentir sua respiração sobre mim, além do vento
com o abrir da porta. Ao longe o uivo do cão, mais perto a sirene de
polícia, e cá você, pronto para mim, pronto para me satisfazer,
pronto ereto.
Nessa
escuridão ouço apenas o som da corrente batendo contra a parede, no
ritmo do nosso amor desvairado. Mal posso conter meus suspiros, você
entra em mim com força, seus trancos raivosos rivalizando com o
metal. Tudo às escuras alcançamos o êxito, engolimos nosso amor
dentro de nossa imensidão, o gozo escorre perna abaixo, o suor
inunda minhas papilas gustativas, um clarão sinistro e o cigarro
está acesso, o olho vermelho passa de boca em boca, uma dança
macabra refletida no espelho.
A
noite é passageira, quando do sol querendo despontar estou sozinha,
rodeada de imundícies, saciada de nosso amor selvagem. Quando da
manhã meu coração pulsando fraco, percebo na parede, fruto e feto
de nosso amor, os ossinhos pendurados, mortos de fome talvez, mas
ainda mortos. Conto seus corpos, seis, sete, vinte? Quem sabe, estão
aí me encarando, evito seus olhos e questionamentos, busco em meu
ventre uma vida pulsante, ainda vive. A luz faz-me ver, com olhos
escancarados, o horror ao qual estou acorrentada, uma parede colorida
em sangue arterial, um teto decorado com ossos infantis, um espelho
mais cruel que a realidade.
Fecho
os olhos com força. Buscando a escuridão atrás das pálpebras, mas
a negritude é colorida, luzes malditas pintam meus olhos, piscam
sobre minha desgraça. Falta o ar nessa hora, chorar é para os
fracos. Anseio pelo fim dessa luz abrasadora, a criança muda de
posição, eu mudo de lado no chão duro. Um gole de urina podre, um
pedaço de fungo e o café da manhã vai me sustentar até o banquete
da noite. Os ossos tremem de medo, medo pensam eles, desejo já sabe
o cérebro, apenas desejo. Que me venham às entranhas o carneiro pro
abate.
domingo, agosto 3
Notas de despedida
Tudo começa com um
despertar preguiçoso. As más lembranças ainda não se apresentam
aos processos da memória. Um espreguiçar, um levantar atordoado, um
suspiro de pesar para deixar a cama quente, no entanto solitária.
Quando se dá conta da ausência são os olhos que derramam sua dor
em lágrimas, o nariz entupido e um soluçar fraquinho. A face
distorcida no espelho.
Morder os lábios
até sentir o ferro do sangue. Abrir pequenas feridas pelo corpo, ver
brotar o sangue, sentir enjoos, comer comida estragada, horas a fio
no banheiro, um medo constante de deixar a casa, uma vontade
esquisita de se sentir viva.
O silêncio dentro
do quarto é preenchido com música ruim, mas não toca mais que
trinta segundo antes de ser trocada, por outra e outra. O acesso à
internet é constante, um abrir e fechar de páginas, sem destino.
A página aberta de
um documento office pisca para seus olhos. Os dedos deslizam sobre a
tela. Uma nota de despedida. Mais uma. Fecha e salva com o nome de
“SuicídioXXV”. Amanhã eu cometo, pensa. Amanhã.
sábado, agosto 2
Hoje vou morrer
Tem
tempos já estou insatisfeito com a minha vida. É sim, as coisas vão
de mal a pior, minha esposa anda me traindo, minhas filhas se
prostituem, minha mãe está saindo com um garoto de 22 anos e eu? Eu
estou em casa, tomando remédios para segurar a dor de cabeça que os
chifres dão. A colheita esse ano foi fraca, o dinheiro do banco
acabou, estou até aceitando o gozado cascalho das meninas para
comprar comida! Não, a coisa não vai bem. É hora de acabar com
tudo. O leite da Mimosa está quente e espumando na caneca, a manga
verde já cortei em finas tiras, só falta comer. Continuarei sendo
corno, mas do túmulo ninguém enxerga o chifre.
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