sábado, março 30

Espetáculo

Quem ouve minha voz, e minhas ideias expressas pela minha língua, sabe que sou melhor do que aparento e muito pior do que eu poderia ser. Morro de alegria ao ter meu espectador feliz ao som de meus desejos, e minha alegria cresce ao momento de maior tensão. Tensão de amor, tensão de desejo, e tensão somente. Sua expectativa aumenta a minha, e minha sede de matança torna o espetáculo mais guloso, mas servil, mais meu. Minha voz torna o espetáculo da morte alegre e feliz, torna o espetáculo horrendo em belo espetáculo festivo, e o povo ri e eu, eu sou apenas.

quinta-feira, março 28

Feitiços de açúcar

Feito todo de amor e carinho, muita farinha, açúcar e ovos, ele tomou corpo sob minhas mãos. Dançou ao ritmo da batedeira e cantou ao toque suave e macio do meu garfo. Gritou e soltou bolhas de alegria, mexeu doce e fofo, espumante e fermentado. Soltou faíscas ao primeiro contato com o fogo, fingiu indignação se recusando a crescer, mas sim que cresceu, formoso, bonito e tostadinho, um cheiro maravilhoso desse bolo. Mas um bolo nunca é igual ao outro, desenvolvem suas personalidades ao serem criados, uns são rebeldes, outros mais ainda, e esse, querido, modelado pelas minhas carinhosas mãos foi o Hitler dos bolos, queimou os judeus da borda e depois de crescer, perdeu a guerra, muxando igual flor sem água.

quarta-feira, março 27

Fome

Um belo e fastidioso dia, estava eu mais minha esquisita companhia em local comum, frente minha cama e entre minhas coisas simples. Esse belo dia sentia eu a necessidade estranha de algo comer, necessidade essa que Rousseau diria não ter o bom selvagem. Queria eu comer algo que fosse doce e gostoso, salgado e melado, um suspiro ou uma lasanha? Maria mole, ambrosia, café, bolo, mousse, broa, polenta, arroz, feijão, bife, gelatina, pavê. Chega de divagar, eu e minhas mãos fomos para a cozinha e ao som de uma música estranha, quase maquiavélica, descubro meu desejo de vida, minha fome arrebatadora, minha sedução culinária, NADA. Quem tudo quer nada come.


segunda-feira, março 25

Amor


A busca pela inspiração leva o escritor, que se diz escritor, mas nada mais é que um reles pobre diabo, procurar a essência das árvores, do ar, dos bichos e das coisas. Olha ali na frente a felicidade do casal. A alegria da mãe e seu novo bebê. Aquela que ri ao ler e aquele que ri ao ver passar rebolando uma bela bunda torneada. Olha ali na frente uma fruta madura, pronta pra ser tolhida, e uma florzinha que cresce feliz até ser pisoteada. A libélula saltitante e a borboleta florida. Amor, que transpassa e nos alegra, amor que nasce bonito e sorri para mim, amor de romance e amor de companherismo. Mas, maior amor está ali, te olha nos olhos, te encontra formosa e te leva para o enfim e além.

sexta-feira, março 22

Mórbido

Olhos que ardem, no movimento do som e da cabeça. Coração martela infinito, e não pare. Continue, forçe, pressione, esmague. Mais. Dor, olhos marejados que suam, suam e soem os sons ao cérebro, sim mão que controla meu corpo, que bate meu corpo, que prende o corpo no chão, que chora, que sua e soa e, som mais alto, mais forte, mais poderoso e coração que batia. E não batia... e não, batia.

quarta-feira, março 20

Pernilongo

Ele me viu de longe já. Veio sorrindo, bonito, todo charme. Estava me querendo. Deixei chegar, mais perto, um pouco mais...
E ele veio todo manhoso, cheio de firulas, numa dança sedutora e envolvente. Chegou bem próximo. Vi em seus olhos o desejo do meu sangue. Deixei rolar. Ele me rodeou, sentiu e eu quieta, à espera de seus movimentos.
Então mais perto, mais sim.
E ele encostou em mim. Todo amável, suave, nem senti seu toque macio. Estava nervoso, sedento, necessitado.
Ao finalmente pousar em minha perna e se sentir salvo eu o matei. Sem dó, nem piedade, sem remorso! Um tapa e ele desceu rodando, e o chão foi seu destino.



Então, se você também já matou sem dó nem piedade um pobre e faminto pernilongo, compartilhe essa experiência maléfica com seus amigos! Assumamos o mal que há em nós! rs

terça-feira, março 19

Novo Dia

Hoje vi o dia clarear. O céu de azeviche expressar sua alegria tornando-se azul escuro até alcançar seu tom puro de anil. Os pássaros cantaram, as nuvens deram bom dia e os vizinhos também. O som do café na cafeteira, o sugar da água, a descarga, o escarro matinal, as primeiras palavras e os banhos cantantes. O suor de uma noite de mau sono, talvez, ou o suor que restara das relações afetivas, o latido pedindo afeto e o miado mandando na casa. O abrir de olhos, e o espreguiçar e o desânimo pra quem há de trabalhar, a barba para fazer e o cabelo a secar. Tudo em perfeita harmonia, até passar um avião, e a porra da harmonia descamba e a vontade de escrever também.

sábado, março 16

Depois do fim

Dia desses andava eu a cavalgar na minha pretensa e fantasiosa mente. Sim, uma cavalgada com direito a um garanhão sadio e trêmulo, bufante e de pela pelagem. O vento batia na face, e o cabelo só não voava porque é crespo, e estava bem preso. E me veio o sobressalto. Que faço my lord, sequer cavalgar eu sei! Aí que tudo desmoronou, vim ao chão e o cavalo belo e formoso desapareceu dos meus pés e eu passei a cair num buraco profundo, mas iluminado, onde minha família olhava espantada e minhas inimigas riam seus risos tolos. Como pode um pingo d'água no oceanos fazer tanta sujeira? Isso ouvia eu, numa interminável cantilena ao passo que me aproximava cada vez mais do fim do buraco. E caí, numa cama elástica e foi impossível não ceder aos meus espíritos infantis de brincar com aquela coisa, um pulo e dois e três e no quarto parei de descer. Adeus, gravidade. Subia eu para a escuridão do céu, que creio, era nenhum céu. Dado essa loucura toda, espanto-me enormemente ao me ver amarrada e enlatada numa caixa, com olhos chorosos a minha volta e eu ali, a olhar para eles e eles para mim, toda branca, num caixão de cedro.

sexta-feira, março 15

Quando?

Quando você chorou pela última vez? Quando uma música te fez chorar? Quando estava seu sentimento tão à flor da pele que te fez tremer e apertar as mãos bem firmes para aguentar a explosão de dor sufocante que subiu pela garganta? Quando foi a última vez que você viu pessoalmente alguém que, agora,  se foi? Quando você parou de sentir a energia dela, quando ela deixou de ser morna para se tornar mogno duro sob sua boca, causando uma explosão de sentimento a descer pelos seus olhos, doentes, quentes, insatisfeitos, abandonados, e molharam aquele corpo frio e que não se aqueceria jamais? Quando você sentiu morrer parte de você? Quando? Quando seus olhos repousaram no túmulo, tão frio quanto seu ocupante e você viu os ossos derretendo e você sentindo junto aquela agonia que não passa, que aperta sua boca, e amarra seus olhos e você não aguenta, por dentro é um vulcão, por fora é a calmaria que transborda pelos olhos.

quarta-feira, março 13

Da conversa

Enquanto a conversa embrenhava-se no meu seio, e no sussurro da morte, os olhos úmidos fecham-se para melhor visualizar o interior da alma. Considerando que a alma é um segmento obtuso do cérebro, então a escuridão traduz o infinito do medo. Ao faltar, dos olhos, a luz, então os diabinhos do passado revelam-se saltitantes frente memórias perdidas pelo presente.

Assim que a conversação acaba, morrem as esperanças de futuro, o presente vira cadáver e eu, que sou escritora, espremo meu cérebro para saber o que passa pela cabeça dela, que sou eu, que poderia ser eu, mas não sou, porque para ser preciso existir, e não existo, enquanto ela viver.

terça-feira, março 12

Romantizando a água que cai do céu!

Chuva na janela. Janela aberta. E molha, minha cama e chão, tapete e coração.
Chuva na janela, que rima com panela e doce de leite.
Chuva na janela, úmida, doce, gelada.
Chuva na janela. Pare chuva, molhada estou, e solitária e gelada. Pare chuva, vá.
Chuva na janela, e chove em mim, e em mim cai fina água ácida, que me corrói por fora o que o tempo, por dentro, já corroeu.
Chove a chuva, na minha janela. E minha janela é nada senão meus olhos, e a chuva leva escorrendo pelo vidro minha plácida realidade, e a realidade verdadeira, feia e imunda, e suja, me cega em seu clarão abrasador, e cega estou, e cega já não mais posso escrever.

domingo, março 10

Dos sonhos, estranhos!

Essa noite seu sonho fora mais do que esquisito. Sonhara com o pai morto há dez anos, iria visitá-lo nos dias dos pais, encontrariam-se no shopping. Estava com saudades, mas na noite anterior recebera uma inesperada visita, alguns personagens fictícios e policiais televisivos, e então, desacordada por uma picada de agulha, e à luz apagada, sofrera uma transformação horrível da parte de dois seriais killers que estava de licença da cadeia. Quando acordou tinha dois mamilos e a pele dos seus seios foram esticadas para baixo, formando uma espécie de bolso, de cima para baixo, era possível passar a mão entre eles. Seus novos seios eram menores e estavam costurados a uma blusa. Corajosa que só, cortou a pele esticada com uma tesoura, não doeu e não sangrou. Foi encontrar o pai.

sexta-feira, março 8

Visão de Cogumelo

Dias desses, andava eu, bela e caprichosa, penteada e cheirosa, pela calçada imunda e cinza, quando ali, logo a frente, vejo uma multidão, e estranhamente não eram meus fãs! Curiosa, menos que gostosa, como sou, fui conferir o que fazia ali aqueles desocupados. Para você ter uma breve ideia, haviam policiais e para-médicos, o que já sugere o motivo. Nesse caso, o correto seria ir ao encontro dos meus fãs amigos no 'Royalle Royal Palace Plaza e King'... Enfim, deixando minhas peripécias de lado, voltemos à multidão.

Meus olhos cortam de lágrimas ao rever a cena na minha mente. Toda ensanguentada, coberta de muco e imundície a mais linda bolsa azul de cetim de pura seda com anéis de saturno e raios de sol da lua e estrelas da manhã com ascendência em áries e diamantes de caramelo... (se usar alucinógeno, não escreva)

A dona da preciosidade estava viva, falando até, o que acabou com meu interesse, quase que imediatamente, não fosse a bolsa de pelúcia de veludo do urso polar das montanhas com pedaços de alce e pequenas gotas de brigadeiro. E ela cantava, eu ouvia o doce som

"Tooodos caminhos trilham pra a gente se veeer
Toooodas as trilhas caminham pra gente se achaaar, viu
"*





*Maria Gadú - Tudo diferente

quarta-feira, março 6

Escritos frustrados

Eu gostaria de escrever um livro. Não sei qual tema, qual linha, qual modelo nem estrutura, mas gostaria de transbordar minhas ideias pela arte da escrita. Enternecer o mundo! Que virasse um filme, imagina? Aqueles com um sucesso estrondoso, com músicas que marcam e frases que se repetem ao longo das gerações!

Mas, então, minha alma imoral, meu lado racional, minha veia decrépita sobressai do pensamento. Sei que eu não gostaria do meu livro, do seu sucesso… Debateria-me com meu próprio ciúme, com minhas invejas, meu ego, minha destruição. Logo, a ruína da minha mente estaria próxima e o fim, fim de minha alma romântica, da minha inocência, chegaria a cavalo e o trote pesado arregaçaria minha estrutura e a preguiça maldita me faria, e faz, debater-me com poucas letras e falhas ideias o desejo solitário, sem espectadores, na cálida noite do escritor.


segunda-feira, março 4

Perseguida

A emoção da perseguição. A excitação da caçada. A fortuna andava ao meu lado. Cabelo ao vento. Vento na face. Minhas pupilas estavam totalmente dilatadas, poderia ver minúsculas  partículas se quissese, mas não queria, queria aquele objeto mais a frente, o objeto pelo qual meu desejo fremia, meu estômago torcia e minha boca espumava. Queria tocar, sentir, cheirar. Tinha que ser meu e só meu.

Então, como passe de mágica, meu cartão de crédito foi recusado, e o objeto de meus delírios tornou-se ainda mais brilhante, mais palativo, mais gostoso.

A excitação agora, era outra. O objeto dos meus desejos estava bem firme nas minhas mãos, no encalço, porém, vinha o dono da loja, a polícia, o segurança, a vovózinha, o lobo mal e a puta que pariu.

sábado, março 2

Sangue-frio

Dizia minha avó, que o melhor remédio para a solidão são os bons livros. Em verdade, quem acha isso sou eu, iniciei com minha avó pois creio ser uma frase que chama a atenção - a minha. Pensando assim, de forma errada como estou, pareço fazer um blog para mim e não para os outros, que poderão ser meus futuros leitores, quem sabe. Mas a esperança de fazer sucesso é baixa, e o desejo de dedicação para com o blog poderá ser ainda menor assim que passar a emoção inicial. Quem me dera ser feliz.

Bem, dizia eu, no início da postagem, sobre solidão e livros. Verdade, verdade, eles são importantes, mas, se solitário, me liga háhá, nada de ler coisas deprimentes, pois eu quase expulsei minha alma fora do corpo ao ler o maravilhoso e brilhante Ensaio sobre a cegueira de Saramago.

Porém, todavia e no entanto, queria comentar de leve sobre Edgar A. Poe e seu sinistro e engraçado conto denominado O gato preto. Leiam. 

É isso, não deixe a bebida malignamente infiltrar-se em sua mente sombriamente propensa a ser maldosamente má.

 "Certa manhã, a sangue-frio, enforquei-o no galho de uma árvore." (Edgar Allan Poe - O gato preto)



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